quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
As manifestações no Egito podem pôr em risco o acervo de bibliotecas, museus e até sítios arqueológicos
Quem assistiu a qualquer telejornal ou abriu um periódico nos últimos dias se deparou com notícias sobre o Egito. Desta vez não foram descobertas arqueológicas fantásticas, scanners em múmias ou turismo na terra das pirâmides, mas manifestações políticas.
A juventude egípcia organizou protestos pacíficos, o povo foi às ruas e todos queriam uma só coisa: “Fora, Mubarak”, o presidente egípcio há mais de 30 anos no poder. Cidades como Cairo, Alexandria e Suez foram - e continuam sendo - os centros nervosos do movimento. Suas maiores praças e ruas passaram a receber milhares de manifestantes e, com os dias passando, até “moradores”, pois tendas foram erguidas na praça.
Como o movimento foi organizado via celular e Internet nos primeiros dias, o governo cessou essas formas de comunicação, tentando impedir os protestos, porém, o povo continuou a se aglomerar nas ruas.
Os protestos, que se iniciaram pacíficos em 28 de janeiro, ao longo dos dias se tornaram violentos à medida que forças pró-Mubarak passaram a atacar os manifestantes. O exército foi mandado às ruas, entre outras razões, para impedir esses conflitos. Organizações dos direitos humanos como o Human Rights Watch estimaram em 278 o número de mortos (estatísticas de 7 de fevereiro).
Aos poucos, o dia a dia da população que foi afetada volta ao normal. Bancos, escolas, entre outros estabelecimentos, foram fechados e os pontos turísticos mais famosos como as pirâmides e os museus cerraram as portas para evitar o vandalismo. Turistas abandonaram o país já nos primeiros dias e a violência atingiu, além da população, jornalistas. No caos, saques ocorreram e algumas pessoas passaram a fazer vigia nas casas para se proteger. As manifestações prometem continuar até Mubarak sair definitivamente do poder.
Rico passado
O Egito é o principal destino turístico do norte da África, isso principalmente graças a seu rico e antigo passado. São pirâmides, necrópoles, monumentos diversos, bem como museus que guardam tesouros históricos inestimáveis. Eles chegaram até nós graças à religião egípcia. Além de templos, feitos para perdurar pela eternidade, os egípcios antigos acreditavam na vida após a morte. Para vivê-la, tinham de preservar o corpo e o espírito, mas também, dependendo da condição social, deveriam possuir comida, servos, objetos do dia a dia, oferendas para os deuses e bens que seriam utilizados no além.
Para preservar o corpo, os egípcios desenvolveram a mumificação. Já para resolver o problema de levar servos para a vida além-túmulo, em um determinado período da história, eles produziram miniestátuas, as famosas ushabtis. Elas representavam pessoas realizando ações: padeiros, açougueiros, cozinheiras e qualquer outro servo trabalhando. Levando esses objetos junto com o corpo, eles acreditavam que teriam servos de verdade na nova fase de sua existência.
O poder da representação era tão grande que até um desenho já servia para conferir vida após a morte. Por exemplo, se em uma tumba fossem pintados homens caçando ou pescando, isso significava que, no além, o morto que ali “morasse” teria suprimento eterno de caça ou pesca.
A escrita também era importante, pois um texto garantia a eternidade. Por exemplo, um nome escrito em uma tumba era a certeza de imortalidade para um faraó. Quando alguém queria fazer um desses governantes desaparecer, bastava raspar seu nome da tumba, assim, estava apagando a “vida eterna” do faraó.
Quando arqueólogos, profissionais ou amadores, passaram a escavar certas regiões do Egito, depararam-se com essas riquezas e foram desvendando, com o auxílio de historiadores, linguistas, etc… o passado egípcio. Muitos desses objetos foram levados a museus e hoje podem ser apreciados por pesquisadores e turistas do mundo inteiro. O turismo corresponde à principal renda egípcia. Em 2010, foram 15 milhões de visitantes que chegaram ao país prontos para apreciar esse passado.
Oportunistas
Pelo valor histórico e artístico, uma antiguidade egípcia vale uma fortuna. Existe um verdadeiro mercado ilegal para essas obras de arte e uma série de colecionadores particulares disposta a comprá-las, portanto, um caos em um país como o Egito pode ser a oportunidade para membros desse mercado entrarem em ação.
Na primeira semana de manifestações, o Museu do Cairo, próximo à praça Tahrir (centro das manifestações) foi invadido por oportunistas e vândalos. Eles saquearam objetos - felizmente eram réplicas - e danificaram algumas preciosidades como crânios da dinastia de Aquenáton, um sarcófago, entre outros, totalizando 70 obras destruídas, algumas com mais de 3.500 anos. As autoridades egípcias já anunciaram sua restauração.
Apesar das perdas, uma tragédia maior - como a que ocorreu no Museu de Bagdá, durante a ocupação estadunidense no Iraque - só foi evitada porque manifestantes jovens decidiram fazer a guarda do museu, formando cordões de isolamento e proteção. A própria nova Biblioteca de Alexandria, nesta cidade, também foi preservada do vandalismo graças à ação juvenil.
Eventos como esse nos mostram como é importante o comprometimento da sociedade na proteção do patrimônio histórico de seu país. Também apontam para a urgência de uma política internacional de preservação de monumentos em locais de conflito. As riquezas culturais egípcias não são só do Egito, e sim do mundo.
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