Foi notícia este mês...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

As manifestações no Egito podem pôr em risco o acervo de bibliotecas, museus e até sítios arqueológicos
Quem assistiu a qualquer telejornal ou abriu um periódico nos últimos dias se deparou com notícias sobre o Egito. Desta vez não foram descobertas arqueológicas fantásticas, scanners em múmias ou turismo na terra das pirâmides, mas manifestações políticas. 
A juventude egípcia organizou protestos pacíficos, o povo foi às ruas e todos queriam uma só coisa: “Fora, Mubarak”, o presidente egípcio há mais de 30 anos no poder. Cidades como Cairo, Alexandria e Suez foram - e continuam sendo - os centros nervosos do movimento. Suas maiores praças e ruas passaram a receber milhares de manifestantes e, com os dias passando, até “moradores”, pois tendas foram erguidas na praça.

Manifestantes acampam na Praça Tahrir, Cairo. 31 de janeiro de 2011. Foto: Al Jazeera English. Licenciado por Creative Commons. Atribuição - Proibição de Obras Derivadas 2.0 Genérica (CC BY-ND 2.0)
Manifestantes acampam na Praça Tahrir, Cairo. 31 de janeiro de 2011. Foto: Al Jazeera English. Licenciado por Creative Commons. Atribuição - Proibição de Obras Derivadas 2.0 Genérica (CC BY-ND 2.0)

Como o movimento foi organizado via celular e Internet nos primeiros dias, o governo cessou essas formas de comunicação, tentando impedir os protestos, porém, o povo continuou a se aglomerar nas ruas.

Praça Tahrir no Cairo. O ponto de encontro das multidões. Foto: Al Jazeera English. Licenciado por Creative Commons. Atribuição - Proibição de Obras Derivadas 2.0 Genérica (CC BY-ND 2.0).
Praça Tahrir, Cairo. O ponto de encontro das multidões. Foto: Al Jazeera English. Licenciado por Creative Commons. Atribuição - Proibição de Obras Derivadas 2.0 Genérica (CC BY-ND 2.0).

Os protestos, que se iniciaram pacíficos em 28 de janeiro, ao longo dos dias se tornaram violentos à medida que forças pró-Mubarak passaram a atacar os manifestantes. O exército foi mandado às ruas, entre outras razões, para impedir esses conflitos. Organizações dos direitos humanos como o Human Rights Watch estimaram em 278 o número de mortos (estatísticas de 7 de fevereiro).

*Tanque do exército ocupa as ruas do Cairo. Foto: monasosh. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)
*Tanque do exército ocupa as ruas do Cairo. Foto: monasosh. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)

Aos poucos, o dia a dia da população que foi afetada volta ao normal. Bancos, escolas, entre outros estabelecimentos, foram fechados e os pontos turísticos mais famosos como as pirâmides e os museus cerraram as portas para evitar o vandalismo. Turistas abandonaram o país já nos primeiros dias e a violência atingiu, além da população, jornalistas. No caos, saques ocorreram e algumas pessoas passaram a fazer vigia nas casas para se proteger. As manifestações prometem continuar até Mubarak sair definitivamente do poder.
Rico passado

A esfinge, um dos cartões-postais do Egito, foi construída durante o governo do faraó Quéfren (c. 2575 - c. 2465 a.C.) Foto NH53. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)
A esfinge, um dos cartões-postais do Egito, foi construída durante o governo do faraó Quéfren (c. 2575 - c. 2465 a.C.) Foto NH53. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)

O Egito é o principal destino turístico do norte da África, isso principalmente graças a seu rico e antigo passado. São pirâmides, necrópoles, monumentos diversos, bem como museus que guardam tesouros históricos inestimáveis. Eles chegaram até nós graças à religião egípcia. Além de templos, feitos para perdurar pela eternidade, os egípcios antigos acreditavam na vida após a morte. Para vivê-la, tinham de preservar o corpo e o espírito, mas também, dependendo da condição social, deveriam possuir comida, servos, objetos do dia a dia, oferendas para os deuses e bens que seriam utilizados no além.
Para preservar o corpo, os egípcios desenvolveram a mumificação. Já para resolver o problema de levar servos para a vida além-túmulo, em um determinado período da história, eles produziram miniestátuas, as famosas ushabtis. Elas representavam pessoas realizando ações: padeiros, açougueiros, cozinheiras e qualquer outro servo trabalhando. Levando esses objetos junto com o corpo, eles acreditavam que teriam servos de verdade na nova fase de sua existência.
Esta pequena escultura é um ushabit. Ela representa um barco funerário. Possivelmente foi inserida na tumba com o objetivo de facilitar a viagem do "morto" no além. Note que ele está representado sentado em uma espécie de trono enquanto, ao seu redor, diversos servos remam. Foto: edenpictures. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)
O poder da representação era tão grande que até um desenho já servia para conferir vida após a morte. Por exemplo, se em uma tumba fossem pintados homens caçando ou pescando, isso significava que, no além, o morto que ali “morasse” teria suprimento eterno de caça ou pesca.

Relevo com pintura. Nele são representados alimentos e oferendas. Foto: MeRyan. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)
Relevo com pintura. Nele são representados alimentos e oferendas. Foto: MeRyan. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)

A escrita também era importante, pois um texto garantia a eternidade. Por exemplo, um nome escrito em uma tumba era a certeza de imortalidade para um faraó. Quando alguém queria fazer um desses governantes desaparecer, bastava raspar seu nome da tumba, assim, estava apagando a “vida eterna” do faraó.
Quando arqueólogos, profissionais ou amadores, passaram a escavar certas regiões do Egito, depararam-se com essas riquezas e foram desvendando, com o auxílio de historiadores, linguistas, etc… o passado egípcio. Muitos desses objetos foram levados a museus e hoje podem ser apreciados por pesquisadores e turistas do mundo inteiro. O turismo corresponde à principal renda egípcia. Em 2010, foram 15 milhões de visitantes que chegaram ao país prontos para apreciar esse passado.
Oportunistas
Pelo valor histórico e artístico, uma antiguidade egípcia vale uma fortuna. Existe um verdadeiro mercado ilegal para essas obras de arte e uma série de colecionadores particulares disposta a comprá-las, portanto, um caos em um país como o Egito pode ser a oportunidade para membros desse mercado entrarem em ação.
Na primeira semana de manifestações, o Museu do Cairo, próximo à praça Tahrir (centro das manifestações) foi invadido por oportunistas e vândalos. Eles saquearam objetos - felizmente eram réplicas - e danificaram algumas preciosidades como crânios da dinastia de Aquenáton, um sarcófago, entre outros, totalizando 70 obras destruídas, algumas com mais de 3.500 anos. As autoridades egípcias já anunciaram sua restauração.

O Museu Egípcio do Cairo, invadido e saqueado durante o caos na cidade. Foto: V Manninen. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)
O Museu Egípcio do Cairo, invadido e saqueado durante o caos na cidade. Foto: V Manninen. Licenciado por Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica. (CC BY 2.0)

Apesar das perdas, uma tragédia maior - como a que ocorreu no Museu de Bagdá, durante a ocupação estadunidense no Iraque - só foi evitada porque manifestantes jovens decidiram fazer a guarda do museu, formando cordões de isolamento e proteção. A própria nova Biblioteca de Alexandria, nesta cidade, também foi preservada do vandalismo graças à ação juvenil.
Eventos como esse nos mostram como é importante o comprometimento da sociedade na proteção do patrimônio histórico de seu país. Também apontam para a urgência de uma política internacional de preservação de monumentos em locais de conflito. As riquezas culturais egípcias não são só do Egito, e sim do mundo.     

0 comentários:

Postar um comentário